Resultados do Questionário 3: Profissionais de saúde exaustos, para além de um número pouco aceitável de infetados?

Os profissionais de saúde (PS) estão em contacto próximo com os casos suspeitos e os doentes infetados pelo SARS-CoV-2 (COVID-19) e, por isso, devem ter as melhores condições de trabalho que lhes permitam estar protegidos e protegerem os utentes. Se não cuidarmos da sua saúde e segurança prestarão por certo cuidados de saúde de pior qualidade (a saúde dos cidadãos também depende da saúde e segurança dos prestadores de cuidados).

O terceiro (e último) inquérito por questionário realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública/UNL (Saúde Ocupacional) no contexto do Barómetro COVID-19, que decorreu entre 30 de abril e 8 de maio de 2020, teve a participação de 532 profissionais de saúde. Desses, mais de um terço (35,1%) participou pela primeira vez, totalizando 5.365 os profissionais de saúde inquiridos nos três questionários de todas as regiões de Portugal, ainda que com predomínio da região de Lisboa e Vale do Tejo.

Como se referiu nos resultados anteriores, o contacto dos profissionais de saúde com doentes (ou casos suspeitos) de COVID-19 pode ter repercussões a nível psicológico, tendo-se constatado que quase três quartos dos respondentes apresentam níveis de ansiedade elevados ou muito elevados como resposta às situações de stress que vivenciam e que quase 15% (14,6%) tinham mesmo níveis de depressão moderados ou elevados. Agora fica-se a saber, neste terceiro questionário, que quase três em cada quatro (72,2%) apresenta níveis médios ou elevados de exaustão emocional e valores semelhantes de burnout, revelando um agravamento dos já elevados níveis reportados nestes grupos profissionais.

Ainda na área psicossocial, é muito significativo constatar que quase metade dos profissionais de saúde (42,6%) refere que dorme menos de seis horas diárias, valores semelhantes aos obtidos no 2º questionário o que, associado à sensação de fadiga que é reportada como intensa ou muito intensa por quase três em cada cinco profissionais de saúde (58%), testemunha uma situação próxima da exaustão ou, se preferirmos um termo mais popular, do “esgotamento”.

Em relação aos aspetos de risco microbiológico, de forma mantida, um terço (33,3%) dos 5.365 profissionais de saúde não realiza a automonitorizaçao diária, que deveria ser a regra na perspetiva, quer da proteção da saúde do profissional de saúde, quer da redução da probabilidade do risco de contágio. Adicionalmente, cerca de 13% dos profissionais de saúde inquiridos foi caso suspeito e, nos três questionários, 80 dos 523 trabalhadores testados (15,3%) tiveram um teste positivo, testes esses realizados mais de 3 dias após a suspeita em quase um terço dos casos (30,1%). São resultados reveladores da morbilidade aumentada nestes grupos profissionais em relação à população geral mesmo com o recurso a Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e, igualmente, a insuficiente rapidez no esclarecimento das situações suspeitas.

A disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual  na última semana, em relação às semanas anteriores, é considerada por mais de metade dos profissionais de saúde melhor ou mesmo muito melhor (53,8%) o que consolida a melhoria da situação ao longo do desenvolvimento da onda pandémica. Na opinião da grande maioria dos respondentes (77,8%) os EPI são adequados ou muito adequados.
No que se refere aos efeitos da carga de trabalho sentida pelos profissionais de saúde destaca-se que 30,6% considera o seu nível de fadiga semelhante ao da semana anterior, enquanto 45,3% apresentaram maiores níveis de fadiga e 12,7% fadiga extrema. De realçar ainda que praticamente metade dos profissionais de saúde não praticou exercício físico na última semana (48,8%) e de apenas 16,5% referirem fazer exercício todos (ou quase todos) os dias. Tal pode, eventualmente, ser mais um cofator de queixas de dores musculoesqueléticas (ou desconforto) a nível da coluna vertebral (raquialgias), que não tinham anteriormente e que podem estar relacionadas, para além das exigências do trabalho e das elevadas jornadas de trabalho com, por exemplo, a reconhecida sobrecarga de trabalho causada pelos EPI que usam, como acontece noutros grupos profissionais do setor secundário de atividade a que nunca se deu suficiente importância.

Dos profissionais de saúde que participaram nos três questionários, mais de um terço (36,7%) trabalha em área dedicada aos doentes COVID-19, representando quase 2.000 PS (n=1.937) e mais de metade (51,9%) trabalhou na ultima semana oito ou mais horas diárias (18,2% dos quais mais de 12 horas diárias).

Um outro aspeto fundamental na prevenção dos riscos profissionais é a organização de serviços competentes nessa matéria, habitualmente pouco valorizados pelas organizações e reduzidos a uma expressão apenas de “cumprimento administrativo” por imposição legal. Mais de um terço (36%) dos profissionais de saúde considera que onde trabalha não existe Serviço de Saúde Ocupacional (ou de Saúde e Segurança do Trabalho) que realize a gestão dos riscos profissionais, designadamente do risco de infeção por COVID-19. Tal devia constituir motivo de reflexão profunda não numa perspetiva dominante de cumprimento das disposições normativas, mas na componente substantiva que o “dramatismo” da atual pandemia revelou.

Se é bem verdade que não é possível um bom combate à COVID-19 sem bons (e saudáveis e seguros) combatentes, tal também não será possível sem técnicos de Saúde Ocupacional competentes exercendo a sua atividade em serviços igualmente capazes e valorizados pelas organizações onde desenvolvem a sua atividade (designadamente, hospitais e agrupamentos de centros de saúde). É que a proteção (e a promoção) da saúde de quem trabalha, assim como a manutenção da sua capacidade de trabalho, faz parte das boas práticas profissionais de qualquer trabalhador, e também dos profissionais de saúde, e não é (nem deve ser) um “adereço” de mero (se não mesmo “aparente”) cumprimento de disposições normativas com mais ou menos força legal. Trabalhar em boas condições de trabalho de saúde e segurança permite mesmo aumentar a produtividade e diminuir o absentismo.

 

Consulte

Ficha Técnica do QuestionárioNotícias nos media sobre o Opinião Social do Barómetro Covid-19

 

conheça os resultados anteriores

Questionário 2 | 6.377 respostas, recolhidas em 2 fases: 2-10 de abril e 16-24 de abril 2020
Questionário 1 | 4.126 respostas, recolhidas entre 2 e 10 de abril 2020